Foto cedida por Alessandro Abdala

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013


Fotografar ou Observar Aves?

Faço-me essa pergunta de vez em quando, geralmente quando episódios tão interessantes do ponto de vista da pura observação relegam a fotografia a segundo plano. Confesso que a dúvida nunca existiu em minha cabeça até eu começar a ler comentários aqui e ali em blogs, redes sociais e outros sites relacionados à ornitologia.
Entendo os defensores da simples observação quando criticam certos fotógrafos que, uma vez feita a fotografia pretendida, imediatamente querem sair em busca de mais um registro de outra ave diferente, às vezes perdendo a oportunidade de se deliciar com os comportamentos mais simples ou extraordinários das aves já registradas. Não é meu caso. 
Não vejo essas atividades como mutuamente excludentes. Afinal das contas, é necessário ver para fotografar e Ver é uma forma muito importante da observação. Não podemos nos esquecer que o Observar inclui também o Escutar, atividade, no caso das aves especialmente, tão ou mais prazerosa que o simples Ver.
"Quando saio para fotografar - sim, para mim o objetivo principal é a fotografia - acabo fotografando o que, na verdade, estava observando."
No post anterior comentei que fiz mais de quarenta fotos da fêmea da maria-preta-de-penacho, e não foi à toa. Gastei um bom tempo com ela, prestando atenção no modo como subia ou mergulhava em busca dos invisíveis insetos de que se alimentava, ou como, já saciada, se aquietou em um galho baixo para se coçar e arrumar as penas. Nesse período, um tico-tico pousou por perto e o peguei em duas fotos rápidas, o que não atrapalhou em nada a paquera com a maria-preta.
Mas este post tem por objetivo mostrar uma sequência de fotos, decorrente do ato conjunto de observar e fotografar simultaneamente, que me encheu de felicidade.
Fui com meus irmãos e sobrinhos para um resort na Bahia, logo no início do ano. Um dos meus irmãos já havia estado lá e comentou que viu um jacuzinho pequeno, meio marrom, diferente dos que víamos em Manhumirim ou no sítio. Claro que fiquei coçando para fotografar mais uma espécie diferente. Embora não fique desesperado para caçar lifer atrás de lifer, quem é que não gosta quando aparece um?
Rodei bastante o resort nos dois primeiros dias mas não achei os jacuzinhos. No terceiro dia, à tardinha, quase noite, uma sobrinha me avisou que havia um deles sobre uma ponte de acesso à piscina. Necessária uma rápida descrição da área: a piscina fica entre o hotel e a praia e o acesso do hotel a ela se faz por várias pontes de madeira sobre um córrego/brejo com pequena matinha ciliar meio artificial.
Pois bem, corri para a tal ponte, mas só vi de longe o vulto de uma ave bem grandinha voar para o mato. Com a luz já escassa, procurei o bicho entre os galhos sem resultado. Ficou a esperança de achá-lo na manhã seguinte. Acordei cedo e fiquei paquerando todos os caminhos e recantos da beira do córrego. Nada. Só a turma de passarinhos com que já havia me fartado nos dias anteriores, mas eu queria mesmo era descobrir que diabo de jacuzinho era aquele.
Logo depois do almoço resolvi dar uma última passeada antes da siesta, que ninguém é de ferro, e ao chegar à entrada de uma das pontes levo um susto com um bicho que vem voando e pousa no seu corrimão, a poucos metros de mim. Claro que era ele. Uma beleza! 
Fez pose e tive até que me afastar um pouco para ele caber inteiro na lente. Nessa hora, entra do outro lado da ponte uma turma vinda da piscina, pai, mãe, filhos, vó... Apressei-me em bater as fotos pois sabia que quando se aproximassem era certo que o bicho ia voar. Quando chegaram mais perto um idiota (sempre tem um) deu uma corrida para espantar "aquele bicho horroroso" pousado no seu caminho. Tem hora que a gente não pode mesmo ter uma arma, viu. Dei-lhe um espor... uma bronca, e seguiram seu caminho, olhando-me como se eu fosse o doido.
O jacuzinho assustado, pero no mucho, voou para uma moita bem ao meu lado e ficou lá piando baixinho. Fiquei quieto para ver se ele dava as caras de novo e, para minha surpresa, lá de onde ele havia voado para a ponte, com o canto do olho vejo um pequeno vulto voar e pousar no chão. Um filhotinho ainda pequenininho veio se juntar à mãe/pai, logo depois vieram mais três que também entraram na tal moita.
Rodeei o mato em busca de uma brecha onde pudesse vê-los e consegui observar uma cena repleta de delicadeza. O adulto começou a bicar uma frutinha vermelha, do tamanho de uma goiaba pequena, e com graça gentil oferecia pequenos pedacinhos para os filhotes.
Todo esse episódio durou bem uns 10 minutos. Esse tempo foi gasto com muita observação e, lógico, com uma montanha de fotos, inclusive com troca de cartão de memória. E era isso que eu queria dizer: observar e fotografar podem se complementar sem stress. Não há nada que nos impeça de exercer ambas as atividades ao mesmo tempo, e com um benefício extra, podemos compartilhar momentos significativos com os amigos. Então, observem as fotos. 



Ah! O tal jacuzinho era o aracuã (http://www.wikiaves.com.br/aracua). Lindo. 

21 comentários:

  1. Melhor do que ver suas fotos é ler o seu texto, é uma delicia, a gente consegue visualizar e antever as fotos assim que começa a ler. Que venham mais fotos lindas, mas sempre acompanhadas desta leitura agradavel. Selma

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    1. Oi, Selma, obrigado por suas palavras tão gentis.
      Abraço.

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  2. Parabéns Daniel. Como já havia escrito: você é um poeta. Grande abraço e que continue assim - observando ("vendo"), fotografando e escrevendo belos textos. Tadeu Melo Jr.

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  3. Valeu a força, Tadeu. Obrigado.
    Abraço.

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  4. Que beleza, Daniel!
    Concordo com você, tem dia que é das fotos, outros são dos olhos nus, outros são dos ouvidos. Tudo que as aves nos oferecem aceitamos com alegria :).

    Grande abraço e parabéns por mais esse belo post!

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    1. Ricardo, você resumiu tudo muito bem.
      Basta aceitarmos com alegria.
      Abraço.

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  5. Ô Daniel,

    Que beleza! A observação e as fotos. Sem maiores prosopopéias você demonstra que um ornitófilo de verdade pode observar, se enternecer, fotografar, olhar mais um pouco, tornar a se enternecer... Linda a família do aracuã! Não me lembro de ter conhecido essa ave. Agora o seguinte: que jé um jacuzinho, é.

    Grande abraço,

    Nilseu

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  6. Obrigado, Nilseu. A gente fica meio bobo às vezes, quando se depara com os comportamentos tão "humanos" dos animais. Não encontro outra palavra, a não ser carinho, para definir o cuidado desse jacuzinho com os filhotes.
    Abraço.

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  7. Caro amigo Dani,
    estou com saudades dos nossos passeios e devaneios, pelos Sertões de Minas Gerais. Parabéns pelo crescimento na habilidade de fotografar e apreciar a vida.
    Gosto muito de me deitar à beira de um rio e ouvir a algazarra da passarada.
    Eles nem percebem a minha presença, e assim vou tentando identificar cada canto.
    Grande abraço.
    Brinati

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    1. Ei, Brinati, estamos sumidos né?
      Precisamos nos encontrar.
      Olha aí, você é um birdwatcher de mão cheia, embora se ache apenas um pescador. hehehe...
      Abraço.

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  8. Que maravilha de narrativa e de fotos Daniel. Parabens pela facilidade que voce tem de descrever tão bem os momentos que voce eterniza com as fotos.
    Grande abraço.

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  9. Muito obrigado, José Sílvio. A gente vai tentando...
    Abraço.

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  10. Olá Daniel!
    Belo texto, ótimo registro, um verdadeiro ensaio fotografico graças ao seu poder de observação.Agrega valor à sua narrativa seu foco no comportamento do observado.
    Parabéns!
    Abraço
    Otacilio Tiago

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  11. O que posso concluir: você é fotógrafo, observador e poeta! Belo Texto, belas fotos... Parabéns!

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    1. Obrigado, Niuza, não mereço comentário tão generoso.
      Abraço.

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  12. Daniel, Parabéns, belissimo texto, que sensibilidade e devaneio pela natureza: plantas, moitas, galhos, córrego... Quando cheguei nas fotos já estava apaixonado pelos jacuzinhos, que beleza, admirável... Ameiii
    Wallace Lima

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    1. Wallace, obrigado.
      Se a gente não tomar cuidado esses bichos pegam a gente e não largam mais. Eu dancei há muito tempo.
      Abraço.

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